A vista e o ouvido são os principais sentidos da comunicação, tal como o gesto e a palavra constituem os seus principais modos. A harmonia é grande entre estes dois sentidos, que permitem perceber o seu meio na sua dimensão real de espaço-tempo. O barulho não se dissocia do acontecimento, o trovão completa o relâmpago, a agitação revela a queda. Tudo o que é visível é percepcionado no espaço, tudo o que é acústico é percepcionado no tempo. Por conseguinte, o meio ambiente é principalmente audiovisual e espacio-temporal, visto que ele transmite, sem parar, informações perceptíveis simultaneamente pelos olhos e pelos ouvidos.
Os estudos comportamentais, herdeiros do behaviourismo, destacam-se quanto à aplicação das suas metodologias de investigação em campo. Eles tentam compreender as inter-relações do Homem com os ambientes e as paisagens, admitindo que também esses ambientes e paisagens podem influenciar comportamentos específicos, individuais e de grupo, inconscientes ou conscientes. É este tipo de influência que sofremos a nível comportamental ao longo do séc. XX, e agora no séc. XXI, através da relação que a audição e a visão têm vindo a consumar com as tecnologias, que pretendo deixar patente.
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A acreditarmos numa perspectiva teleológica da história, o séc. XX é o século em que o Homem cumpre o seu destino enquanto senhor do Universo. Todo o percurso da hominização é uma tentativa de superação das deficiências com que a natureza dotou o Homem. A criação de instrumentos cada vez mais sofisticados é uma constante desse percurso evolutivo, porém o nosso tempo tornou-se, com a ajuda da tecnologia, pródigo na distribuição e generalização de cárceres sonoros. Por todo lado nos tornamos cativos do poder súbtil da música, são cada vez mais raras as pausas de silêncio, a escuta da harmonia celeste que mal se ouve, tão coberta que está de outras músicas, de camadas de ruído. Vários autores de entre os quais se destaca Pascal Quignard discorrem longamente sobre o "assédio musical" que caracteriza o nosso tempo, concluindo que "(...) em consequência da tecnologia de reprodução das melos, amar ou odiar a música reenviam pela primeira vez à violência própria, originária, que funda o domínio sonoro." A fuga à violência adquire, neste contexto, a forma de uma procura de silêncio, a forma de um cansaço, a fadiga do violado, do acossado que não tem para onde fugir. a dificuldade em escutar o silêncio parece agudizar-se, a audição do inaudível parece cada vez mais difícil. A abertura total das "orelhas sem pálpebras", a obediência máxima de uma "infinita passividade" surge, uma vez mais de modo paradoxal, como a única forma de resistência: uma resistência em forma de abandono. Ouvir tudo, ouvir absolutamente, acolher todas as cmadas sonoras que se vazam nos ouvidos abertos, acolhê-las penetrando no som, impregnando-nos de som, até ao máximo da audibilidade, que é a ultrapassagem dos limites do audível, atingir o ilimitado, dar conta da continuidade, ouvir o inaudível, escutando o silêncio que se tornou na vertigem moderna.
"Quando a música era rara, a sua convocação era perturbante e a sua sedução vertiginosa. quando a convocação é incessante, a música torna-se repelente e é o silêncio quem chama e se torna solene." - Varèse
Os media são os suportes materiais que tornam possível a comunicação. O suporte mais fundamental, o único que existiu na origem, é o próprio Homem. O Homem que gesticula e que fala é o primeiro médium audiovisual. Os media são os intermediários físicos que permitem a comunicação à distância, quer seja à distância no espaço, quer seja à distância no tempo.
É nessa medida que o séc. XX se torna tão importante. Este séc. deu ao Homem velocidade, força e asas, amplificou-lhe a visão, a audição e a voz. Combateu dois grandes inimigos: o tempo e o espaço. Mas será que esse upgrade que foi feito, durante todo o séc. XX e até aos nossos dias, foi realmente tão benéfico como aparenta? Será que as tecnologias não prejudicaram a nossa noção de realidade audivelmente e visualmente?
Veja-se o que referi acima, o constante bombardear auditivo do qual somos reféns e do qual não podemos fugir, para o qual caminhámos neste século mas agora perante o qual fugimos. Hoje em dia, o aumento considerável da compra de propriedades no campo é reflexo dessa fuga, as pessoas procuram afastar-se da confusão das grandes cidades, dos ruídos dos automóveis, das discotecas, etc. Assistimos portanto a um êxodo urbano. Está aqui patente um paradoxo existencial, procurámos durante séculos através da criatividade encontrar formas de usar o som a nosso bel-prazer, para nosso entretenimento e, hoje em dia, não só o ruído mas também esse som lúdico nos é prejudicial. Tenha-se em conta as novas tecnologias ligadas ao som: os leitores portáteis de CD, K7's, mp3; os mini-rádios; os sistemas de som para automóveis (muito utilizados pelos aficionados do tunning); os sistemas sonoros das discotecas, dos bares dançantes, das boîtes. Sobretudo os jovens, que lidam mais com estes avanços tecnológicos, são prejudicados por este massivo bombardeamento sonoro. Devido a estarem constantemente sob influência de tão altos níveis sonoros a sua sensibilidade auditiva é afectada, subsequentemente a sua sensibilidade comunicacional também se vê afectada, isto leva à perda da noção de tonalidade "socialmente correcta" da voz por parte dos jovens que cada vez mais têm tendência para falar mais alto. Passa a existir assim uma quebra com os "bons costumes", o comportamento social é violado, é despojado de um dos seus mais belos suportes estéticos , o falar bem, que não engloba só o conhecimento gramático, mas também o saber privar, o falar para alguém, não o falar para todos, a "histeria" que é sem dúvida reconhecida às gerações de agora.
Continua...